Adeus, minha velha TV



Desde a minha infância o aparelho de TV foi o centro das atenções da minha casa, da minha família. Também adoro livros, mas nunca escondi minha preferência pela TV, com ela completei minha formação cultural, pop, nerd, de um filho de família suburbana e operária da Grande São Paulo.


A primeira, uma enorme TV GE a válvulas, emoldurada numa madeira clara de fino acabamento tinha um enorme seletor de canais, duro e barulhento a cada mudança, que praticamente nos obrigava a alternar apenas entre os canais 4 e 5, TV Tupi e TV Globo. Quando me aventurava a girar um pouco mais o seletor, ouvia a bronca da minha mãe de longe: - Para de mexer nessa TV, senão vai acabar quebrando! Pouca gente sabe ou lembra, nessa época ligar uma TV era uma operação complicada que exigia uma certa paciência. Primeiro era preciso ligar o estabilizador de voltagem, equipamento que nos acompanha até hoje nos computadores, mas que na época era uma caixa de ferro pesada com um enorme mostrador analógico que lembrava um painel de avião, para ligá-lo era preciso girar um seletor duro que fazia um barulho seco, tlec, seguido de um zumbido, óinnnnnn, que silenciava aos poucos. Ao ligar a TV, a tela arredondada e esverdeada nunca acendia de uma vez, primeiro surgia um ponto de luz branca no centro que se abria gradativamente, depois, quando a luz enchia a tela e o som enchia os ouvidos, era preciso mais um pouco de paciência para girar os botões de vertical e horizontal até acertar a imagem, no clássico preto e branco.


Esse aparelho nos acompanhou por muito tempo, mesmo depois de surgirem os de transistor e os coloridos, meu pai insistia em mantê-lo e, quando uma válvula queimava ou apresentava algum problema, chamava sempre o mesmo técnico, um senhor de óculos com aros grossos que virou uma visita tão constante que parecia da família, lembro da primeira vez que esteve em casa, jovem animado com os cabelos pretos e o corpo esguio. Na última, sua cabeleira estava branca e, no alto da sua coluna encurvada, decretou: - Seu Braz, a muito tempo que não aceito mais esse tipo de TV na minha oficina, continuo consertando a sua por causa da amizade, mas estou cansado, além do mais, está muito difícil encontrar peças para ela, dessa vez tive que revirar as prateleiras empoeiradas de uma velha loja da Santa Ifigênia. Da próxima vez que ela quebrar, melhor jogar fora e comprar uma nova.


E foi assim, depois da última quebra, que meu pai finalmente concordou em comprar um novo aparelho no Mappim que, às vésperas da Copa da Espanha em 1982, anunciava a todo instante a nova TV Mitsubishi, novidade no mercado que dava garantia até a copa seguinte. Um salto, a nova TV menor e mais leve era colorida e não trazia mais aquele enorme seletor de canais, aliás, tinha até um controle remoto com fio, mas o incômodo daquele cabo atravessado na sala determinou o isolamento do acessório numa gaveta qualquer. Essa japonesa despertou uma nova paixão no meu pai. Resistiu o quanto pode, mas acabou trocada por uma 29" da mesma marca, isso a mais de 15 anos e se mantém até hoje, apesar da nossa insistência diante das cores opacas nas visitas dominicais.


Como podem ver, acompanhei a evolução tecnológica dessa maravilhosa invenção desde os primórdios. Gosto tanto que na minha pequena casa, só não tenho TV nos banheiros, ainda, porque não inventaram uma que consiga sobreviver à umidade do chuveiro. Mas esse último salto tecnológico não está me deixando tão animado, pelo contrário, vejo com certa tristeza a forma com que todos estão abandonando os velhos tubos pelos monitores LCD.


Dois anos atrás, explorei os limites do meu cartão de crédito por uma LCD de 32", entusiasmado com a possibilidade de assistir imagens muito mais nítidas no conforto do meu sofá. Infelizmente o resultado só foi animador nos filmes em DVD, mas o sinal analógico da minha cidade e a baixa resolução da minha operadora jogaram um balde de água gelada nas minhas expectativas. Só não trouxe a velha 29" de volta para a sala por insistência da família. Desde então, pouca coisa mudou, além do preço que despencou, aumentando meu arrependimento. Os programas continuam esticados para os lados, deixando as figuras baixinhas e gordinhas. A definição parece borrada.


Na semana passada, a linda LG 21" tela plana do quarto do meu filho abriu o bico, sei lá por qual motivo, deu umas piscadas e apagou deixando um forte cheiro de queimado. Fiquei surpreso, afinal, não era um aparelho velho, tinha no máximo uns 3 anos e meio, nova se comparada com a Semp de 10" da cozinha que tem uns 15 anos e com a Samsung 29" que tem uns 13. Nunca vi as LG com muita simpatia, por isso, ao invés de arriscar em mandá-la para o conserto, resolvi comprar uma nova.


Nas lojas, me surpreendi com a empolgação das pessoas pelas enormes telas de LCD. Considerando que moro no interior de São Paulo, onde a nova TV Digital é uma promessa de apenas um canal, possivelmente para a Copa de 2010, me parece um desperdício gastar com um aparelho de alta definição para receber um sinal de baixa definição. Não acredito que todos os empolgados compradores estejam cientes dessa condição, já que os lojistas insistem em demonstrá-las reproduzindo imagens de aparelhos de DVD de alta definição e duvido que planejam adquirir um pacote de TV paga em HDTV.


As TV's de tubo, lindas e perfeitas com sinal analógico, a nossa realidade, estão relegadas aos cantos empoeirados, como ponta de estoque. Os fabricantes vão abandonando o formato aos poucos. Sony e Panasonic não as produzem mais. A fábrica de tubos da Philips fechou as portas. Os poucos disponíveis são do tipo Slim, menores, mas com poucos recursos. As CRT que chegaram a ser lançadas com alta resolução (até 1080i) desapareceram, recursos como o PIP (Picture in Picture) obrigatório nos modelos sofisticados, além de potentes alto-falantes, não existem mais. Tive que me contentar com uma Samsung 21" com acabamento em Black piano, provavelmente um saldo de estoque da loja, já que o modelo mais novo tem um acabamento pior, num prata e preto fosco. Apesar de ser uma marca que confio, não acredito que durará muito, dá a impressão de ser um aparelho descartável.


Nos quase 60 anos de televisão no Brasil, o aparelho passou por grandes transformações, principalmente nos últimos 30 anos, muitas foram bem-vindas, mas o fim das TVs de tubo agora, me parece precoce e triste, vítimas do engodo imposto pelos fabricantes.

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